domingo, 24 de outubro de 2010

O amor é uma viagem

Eu tive um amor que foi o primeiro
e tive um segundo
e um terceiro.

O primeiro foi falsa partida
o segundo foi um ameaço
e o terceiro, o bê-á-bá.

Depois vieste tu
e fechei a contagem.
Tu mostraste-me o Mundo,
elevaste-me à cátedra.
e foste o meu chão seguro...

Contigo aprendi
que o amor, como a  viagem,
pode ser breve ou de longo curso,
ter vários apeadeiros
ou uma só paragem.

E descobri que o amor
não e só palavras belas,
mas cada dia, abrir o céu  
e  reinventar as estrelas.

domingo, 17 de outubro de 2010

EXULTAÇÃO

Tens no rosto serenas madrugadas,
na voz tens gorjeios de andorinha
que esvoaçando celebram, desvairadas,
primaveras de amor que são só minhas.

Teu peito é uma paisagem de loucura
que percorro desnuda pela manhã
e os teus lábios são a fonte impura
onde se embriaga esta paixão malsã.

Tuas mãos são grilhetas de prazer
e os olhos, verdadeiros lança-chamas
que me deixam a alma num brasido.

Meu amor: tu és a estação de vida,
palácio de harmonia, patria, luz,
onde morro e renasço cada dia!

Alice Rios

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

SOLIDÃO NAVEGÁVEL

A noite, as ruas ficam desertas
porque a Internete chama para casa.
Mas ao contrário das antigas lareiras,
à volta das quais as famílias passavam o serão,
a Internete não une nem reúne a familia.
É anti-gregária: a familia é um por um e não um todo
e do espaço de partilha faz espaço de solidão.
Assim, estando todos em casa, cada um está sozinho,
partilhando a solidão real com companhia virtual.
Estranhos são os da casa.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

SARAMAGO NAS PEDRAS QUENTES DE CHIAPAS

Nesta manhã estival de Agosto, decidi viajar um pouco na ria misteriosa da cosmovisão maya. Mas, por imediata associação de ideias, venceu-me a tentação de falar de Saramago, que, na República Mexicana, pisou as pedras quentes de Chiapas, escutou as ricas polifonias do coração da Selva Lacandona, escutou os indios tzotziles, tzeltales, choles, zoques y tojolábales que, estoicos, têm podido sobrepujar a horribilidade da exclusão social e dos vários preconceitos dos "culés", a argentocracia dos "señores" de San Cristóbal de las Casas. Já sabem que a dureza física das viagens nunca impressionou José Saramago. Tão pouco a arrogante presunção dos próceres de pacotilha que "governaram" o México entre 1984 e 2000.

Certo dia, Ernesto Zedillo Ponce de León, sucessor do tenebroso Salinas de Gortari, chegou a ensaiar uma tentativa ominosa: expulsar Saramago do país. Foi obrigado a recuar. Filofascista, corrupto e autor intelectual de matanças de indios em Guerrero e Chiapas, Zedillo foi dos tipos mais desprezíveis que, lá fora, questionaram os desassombros libertários de José Saramago.

Quando do falecimento de Saramago chegaram até mim vozes tão distintas, ou tão incompatíveis, como a do presidente da República e a de um tipo labregóide que, na "antena aberta" da RDP1, atiraram para o ar umas larachas próprias da sórdida cultura do despeito. E, novamente, Saramago e o México surgiram associados no campo multiforme das vivências que possuo do país dos olmecas. Era uma manhã de um domingo primaveril, na áurea Cidade do México, e fui ver Saramago receber (mais uma) impressionante manifestação do enorme fervor admirativo que os mexicanos sentem por ele. Cenário: o recinto principal
da "axiomática" casa editora "Fondo de Cultura Económica". O "Fondo", com uma existência já de muitos anos, deve-se à inspiração e tenacidade uma senhora de nacionalidade francesa cujo coração, como o de muitos outros estrangeiros, o México facilmente conquistou. Os grupos de admiradores de Saramago formados a partir das 9 da manhã chegaram a ser, por volta do meio-dia, longas e compactas filas de mexicanos, principalmente gente jovem. Mas eu vi, por exemplo, uma octogenária de Guadalajara que, ajudada por familiares, conseguiu acercar-se de Saramago, infatigável a autografar livros, a cumprimentar, a levantar-se para o beijo que as universitárias, estas principalmente, faziam questão de reclamar.

 Às duas da tarde, no exterior do "Fondo", as filas de leitores e admiradores de Saramago estendiam-se, na rua, por largos metros...
...E olhem que a Cidade do México não é um qualquer lugar da parvónia integrista que nos rodeia. Só o centro histórico dispõe de nada menos de 52 museus... E não vale a pena falar da qualidade de grandes jornais como "El Universal", "La Jornada", "Milenio", "Reforma", etc.

LUIS ALBERTO FERREIRA
20 de Agosto de 2010 07:40

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domingo, 11 de julho de 2010

A estética do espírito

O meu corpo já foi jovem, mas agora está em declínio. Os meus braços ainda gostam de abraçar, mas já não enlaçam como dantes. Perderam força. E estes seios, outrora túrgidos de seiva e de desejo, parecem agora duas bolsas vazias. No meu rosto as rugas são como as linhas de um livro, onde o tempo e a vida gravaram a minha história: amores, desamores, ilusões e desenganos. Aflições e desgostos, está tudo aqui, nestas finas linhas. Para quem souber ler.
Não obstante as rugas, gosto de mim desmaquilhada e sinto-me bem nua. Sem pudor da nudez, dos seios descaídos, dos quilos a mais, do perímetro abdominal avantajado e dos volumes nas coxas. Estou a envelhecer e aceito o processo. Não tento contrariá-lo em ginásios ou clubes de fitness. Também não me seduzem as curas de emagrecimento nem os milagres da cirurgia estética. Sei que virá o tempo em que o corpo não obedecerá à mente, mas é a vida e a lei do tempo. E é com o tempo que eu vivo, não contra ele. Nem seria feliz fora da minha idade. Por que venho à esteticista?
Não para me embelezar, o que seria tolice, pois a beleza é ser feliz. E a estética não seria capaz de apagar do meu rosto as marcas das noites sem sono e dos dias de sozinhice. Das decepções e dos desgostos. Venho cá porque a química dos elementos favorece a química dos afectos. E os afectos, os bons afectos, esses sim, fazem-me sentir bela em cada despertar.

Os RIOS correm para o mar

Chamo-me Douro.

Nasci há milhares de anos, lá para os lados de Espanha, e sou o irmão mais velho de uma família de rios.
Os meus irmãos mais novos uniram-se a mim e todos juntos somos agora um só, na alegria e na tristeza de existir. Porque a tristeza como a alegria também faz parte da vida de um rio.
Realmente é triste viver em constante correria, por gargantas e desfiladeiros, quantas vezes aos trambulhões, sofrendo a incompreensão dos homens.
É verdade que algumas vezes semeei luto e dor à minha passagem, galgando muros, violando propriedades, derrubando casas e destruindo haveres. Então ouvi imprecações e blasfêmias.
Mas que culpa tenho, se sou, como os homens, um ser da Natureza, positivo e negativo?Positivo, sim! Até os rios têm o seu lado bom. Porque nada e ninguém funciona exclusivamente para o mal.
Eu estou gloriosamente ligado aos descobrimentos portugueses e, ao longo dos tempos, tenho servido as diversões, o comércio e as tradições. Sobre mim passaram os barcos rabelos, as padeiras de Avintes e as excursões românticas. Mais: tornei-me mundialmente conhecido por, durante longos anos ter sido estrada do afamado vinho do Porto. Não esquecendo que fui amigo dos lavradores, cujas terras irriguei, bem como de outros tantos pescadores a quem não desanimei. E eles bem o sabem e, por vezes, até me abençoam. Nas horas más, porém, facilmente se esquecem disso e voltam a praguejar contra mim.
Ignoram que o seu sofrimento também me dói. Sobretudo pelas crianças e pelos velhinhos.
Mas olhem: a vida é uma lição permanente e, vivendo eu aprendi que tudo vale a pena. Até o sofrimento. Precisamente no meio do maior sofrimento eu descobri que ainda há solidariedade entre os homens, pois entre as populações ribeirinhas testemunhei que muitas famílias até então desavindas, fizeram as pazes e uniram-se de novo, para se auxiliarem mutuamente durante a tragédia

Afinal, vale a pena existir e ser rio, ainda que com um lado menos bom. Tal como os homens.

OS MEUS LIVROS

  • Condomínio Abertlo
  • Famílias Tradicionais do Porto I
  • Famílias Tradicionais do Porto II
  • Os Borlububos e a dança das letras
  • Os Borlububos e os Sem-abrigo
  • Palavras Emagrecidas - rimas para contar e teatrar a nova ortografia