segunda-feira, 23 de agosto de 2010

SARAMAGO NAS PEDRAS QUENTES DE CHIAPAS

Nesta manhã estival de Agosto, decidi viajar um pouco na ria misteriosa da cosmovisão maya. Mas, por imediata associação de ideias, venceu-me a tentação de falar de Saramago, que, na República Mexicana, pisou as pedras quentes de Chiapas, escutou as ricas polifonias do coração da Selva Lacandona, escutou os indios tzotziles, tzeltales, choles, zoques y tojolábales que, estoicos, têm podido sobrepujar a horribilidade da exclusão social e dos vários preconceitos dos "culés", a argentocracia dos "señores" de San Cristóbal de las Casas. Já sabem que a dureza física das viagens nunca impressionou José Saramago. Tão pouco a arrogante presunção dos próceres de pacotilha que "governaram" o México entre 1984 e 2000.

Certo dia, Ernesto Zedillo Ponce de León, sucessor do tenebroso Salinas de Gortari, chegou a ensaiar uma tentativa ominosa: expulsar Saramago do país. Foi obrigado a recuar. Filofascista, corrupto e autor intelectual de matanças de indios em Guerrero e Chiapas, Zedillo foi dos tipos mais desprezíveis que, lá fora, questionaram os desassombros libertários de José Saramago.

Quando do falecimento de Saramago chegaram até mim vozes tão distintas, ou tão incompatíveis, como a do presidente da República e a de um tipo labregóide que, na "antena aberta" da RDP1, atiraram para o ar umas larachas próprias da sórdida cultura do despeito. E, novamente, Saramago e o México surgiram associados no campo multiforme das vivências que possuo do país dos olmecas. Era uma manhã de um domingo primaveril, na áurea Cidade do México, e fui ver Saramago receber (mais uma) impressionante manifestação do enorme fervor admirativo que os mexicanos sentem por ele. Cenário: o recinto principal
da "axiomática" casa editora "Fondo de Cultura Económica". O "Fondo", com uma existência já de muitos anos, deve-se à inspiração e tenacidade uma senhora de nacionalidade francesa cujo coração, como o de muitos outros estrangeiros, o México facilmente conquistou. Os grupos de admiradores de Saramago formados a partir das 9 da manhã chegaram a ser, por volta do meio-dia, longas e compactas filas de mexicanos, principalmente gente jovem. Mas eu vi, por exemplo, uma octogenária de Guadalajara que, ajudada por familiares, conseguiu acercar-se de Saramago, infatigável a autografar livros, a cumprimentar, a levantar-se para o beijo que as universitárias, estas principalmente, faziam questão de reclamar.

 Às duas da tarde, no exterior do "Fondo", as filas de leitores e admiradores de Saramago estendiam-se, na rua, por largos metros...
...E olhem que a Cidade do México não é um qualquer lugar da parvónia integrista que nos rodeia. Só o centro histórico dispõe de nada menos de 52 museus... E não vale a pena falar da qualidade de grandes jornais como "El Universal", "La Jornada", "Milenio", "Reforma", etc.

LUIS ALBERTO FERREIRA
20 de Agosto de 2010 07:40

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